Monday, July 23, 2012

O que se leva?

Fazia tempo que não se via uma cena daquelas, poucos eram os velhos do bairro que haviam vivido tempo suficiente para ver uma praia com neve, aparentemente, eu não seria um deles amanhã. A janela foi ficando alta e logo eu era um bebê, que estica a mão em busca do que deseja, pobre bebê, que não tem a noção de profundidade. Como um bebê, senti os adultos vindo a mim, correndo alvoroçados e desconcertados com aquela vida que começava. O céu era branco acinzentado e o vento não era um daqueles ventos bobos, aqueles ventos de verão que vão passando por você e deixam mais calor do que brisa nos corpos, ele era um vento crescido e brincalhão, que empurrava e gelava e fechava casacos, braços e abraços. De qualquer forma, o que eu respirava não era gelado, era quente e, apesar disso, angustiante, era tudo muito rápido, muitos toques, muitas coisas, alguma dor e uma pressão no meu rosto, mas uma pressão que não vencia a preguiça que sentia. Era de um lado para o outro, para frente e para trás. Senti-me trabalhando, fazendo os meus testes e torcendo para que eles me mostrassem algo novo, inacreditável. Mas testar a inércia era muito tolo, jamais permitiria que alguém propusesse uma desvaria dessas no meu laboratório. Aqui, não é lugar para brincadeiras, apesar de nunca ter abnegado a diversão. O que será que faltou? Lá estava eu, nunca ganhara um só Nobel, mas era o centro das atenções. Acho que foi algo logo abaixo do meu nariz que me fez saber disso, que venceu a preguiça que eu sentia. Tantas luzes, aquilo era muito sugestivo, e quando as apagaram não pude deixar de notar mais uma vez que a dor logo abaixo do nariz ressurgiu, mas não era tanta assim, então decidi ignorar. O problema é que eu não gostava de escuro, nunca gostei, nunca fui desses que falavam não ter medo. Sempre dormi com a televisão ligada – a luz, minha segurança, o som, minha companhia, o “timer”, minha consciência ambiental. Tudo bem, melhor acender a luz, então. Quantas pessoas. Como eram altas. Extremamente desconfortável. Queria tossir e não conseguia, queria água e não conseguia. Desisti disso tudo e decidi, por fim, fazer o que me restava: cantar. Mas não conseguia. Como nunca soube, pensei que seria melhor assim, sem sair som, pude explorar ao máximo minhas cordas vocais. Acordei. Estava na frente de um bocado de gente, conversaram comigo, me explicaram algumas coisas e, por fim, me deixaram falar. Acho que forcei demais minhas cordas vocais, pois agora elas estavam doídas e não funcionavam nem para falar. Quando pude voltar para casa, me sentia como um bebê. Uma criança entre tantos zelos. Quem me dera, poder mais uma vez fazer com que as fadas fossem criadas, mas agora só me restava a tarefa de não as matar com as blasfêmias que me inundam. Pena que não pude aproveitar a bela vista da praia, porém, quando cheguei em casa, vi janelas cheias de água, uma visão que fazia sentir beleza e tristeza ao mesmo tempo, no mesmo corpo. Pelo menos, pude dizer que não era maluco. Não era arrependido. Era orgulhoso, calmo, ainda que ansioso e nervoso, e cheio de paz.