Sentada nos degraus de sua casa, olhava para o chão de
paralelepípedos que encostava nos pés descalços das crianças que se escondiam e
contavam. O chão, que engraçado, estava tão perto e, ainda assim, tocava o
horizonte. Afinal, onde daria se ela fosse reto naquela direção? Após desviar
de inúmeras paredes, haveria alguma hora uma porta na qual ela poderia bater?
Mas no meio disso, os pequenos estalidos de muitos pés se
juntaram, como se para que ela despertasse e percebesse que outros pés maiores
já se afilavam perto do poste. E, sem olhar para seu pulso, que só mostraria
cores, pôs-se de pé e somou-se com aqueles outros.
O ônibus não tardou em se atrasar e, como de costume,
provocou ligações e desculpas, ouvidas pela vontade que ela tinha de imaginar a
vida das outras pessoas. A culpa era das rugas. As rugas falavam muito. Cada
uma tinha tido seu momento de brilho, de ir e voltar e ir voltar. Ora, as rugas
mereciam ser ouvidas. Ela, coitada, ansiava por rugas, mas não tinha pressa
para que surgissem.
Chegara ainda adiantada para sessão de cinema e, como se
esperasse um namorado, a menina, sozinha, se sentou e esperou que as portas se
abrissem. Enquanto pulava de rosto em rosto, foi pega de surpresa por um rosto
que a visão reconhecia menos que o tato. Ele, de longe, também a viu e, com sua
alma encadarçada, pediu licença à sua mão e se aproximou do banco.
Ela se levantou e o cumprimentou e o abraçou. Diferente. Eles
não falaram muito, somente o suficiente para que os corações balançassem. Oi.
Tudo bem... Cresceram como um só e agora eram dois. Despediram-se e cada um foi
para sua sessão.
Ela sentou finalmente em sua G12 e não pode deixar de
pensar em como o mundo era engraçado. Não conseguimos entender realmente nada dos
nossos caminhos. Entre músicas e danças, ela respirava fundo e tentava valsar
com seus pensamentos. Mas precisava jogar uma água no rosto.
Enquanto levantava o rosto molhado, percebeu uma pequenina
ruga no canto de seu olho esquerdo. Riu. Riu e secou o rosto. Encarou-se de
novo, admirada com aquilo. O balanço.
Antecipou sua volta para casa e, ao descer do ônibus,
traçou a reta e desviou-se das paredes. Logo, chegou num botequim, que já era
seu de costume, e acenou para os conhecidos.
Pegou o caminho de
volta. Sentiu o travesseiro em seu rosto e sorriu mais uma vez.