Thursday, March 10, 2011

Desabafo

Tentamos de tudo para compreender esse mundo, tentamos absolutamente tudo cotidianamente. E, quando não conseguimos entender, criamos um apêndice ao nosso conhecimento que não explica nada, mas satisfaz nossa necessidade de padrões.
Afinal, qual a nossa explicação para o número divino, para a vida, para a origem do pensamento humano, para o que havia antes do big bang, para nossos sentimentos?
E (nossa!) como nos gabamos do nosso conhecimento, somos desde a raça mais evoluída até a pessoa mais bem indicada para aquele trabalho; somos desde o filho mal compreendido até o exemplar notório da sociedade humana.
Engraçado ter tanta soberba.
Estruturamos todas as maravilhas que a ciência da engenharia moderna criou sobre os preceitos básicos da física.
Mas tinha um besouro no meio do caminho, no meio do caminho tinha um besouro.
Apesar de a física dizer que seria impossível o besouro voar, assistimos esse insetinho voar; algo com que o ser humano anseia ser capaz desde antes de Ícaro, mas parece que a gente não sabe voar também. O que fazemos diante dessa incoerência? Fácil. Ignoramos o besouro.
Ora, foram décadas formadoras de séculos integrantes de milênios até o ser humano conseguir construir nossas poderosas máquinas, não será um insetinho que vai nos dizer "opa, vocês erraram" - se ao menos fosse um coroa judeu que fuma cachimbo, depois de uns pequenos desméritos, até poderíamos considerar nosso deslize, jamais nosso erro.
Bem... mas se tem tanta coisa por aí que não faz o menor sentido, quem sou para ficar apurrinhando meu coração. Deixa ele batendo, afinal me disseram na faculdade que ele tem uma coisinha que faz ele tuntar independente da cabeça - os franceses chegaram a relatar até que os corações ficavam batendo um tempo após a decapitação dos revolucionários mais apaixonados.
As discussões políticas, os livros de filosofia e literatura, as reuniões, os livros de faculdade, a curiosidade pelo conhecimento, as peças de teatro e as pessoas continuam se criando na minha vida e nada disso me fez perder meu tempo passado para ficar planejando.
Planejo a felicidade e as "bare necessities" (Mogli), o resto é a vida que vai acontecendo.
Ah, mas se puder, Deus, me lembra de quando em vez de deixar a soberba sobre a qual estava falando lá em cima ficar lá para trás. É que essa coisa de desabafar confunde a gente, né?...

Tuesday, March 01, 2011

História popular


Hoje, conversei com pessoas vivas, estudei em corpos mortos e vi a miséria de uma criança me pedir comida. Quantas histórias há por trás dessas vidas, dessas minúsculas existências para o universo, mas tão gigantes para cada um deles.
Com o paciente, conversei e ouvi sua história para aprender a ajudá-lo; aos corpos mortos, deixo meus agradecimentos pois irão ajudar a socorrer tantos vivos; junto com a criança vai minha tristeza pois não há comida que eu dê que seja capaz de dar vida aquela pequena criatura - que ainda será tão maltratada pelo mundo.
Busco-me pela medicina pois é por lá que vou achando meu coração, é por lá que de alguma forma me acho mais próximo da humanidade e com mais humanidade, é por lá que me vejo cada vez mais distante da minha soberba, da minha discriminação, da minha raiva, da minha pretensão, da minha sabedoria. A medicina me mostra como sou pequeno, frágil e incompetente, me ensina como eu preciso de bons amigos, de momentos de silêncio e fala, de dias de choro e riso, de horas de silêncio e canção.
Bobo é aquele que passa pelas salas de aula sem prestar atenção na vida que pode entrar em sua alma. Não há anel de formatura que valha mais que a vida de alguém.
Com tudo isso em mente, com tudo isso no meu peito, me exacerba a felicidade, o bem-estar por ser incompleto e querer ser maior que o meu corpo, mais longo que o meu tempo, mais dedicado que minha necessidade social permite. Ainda assim, me falta um grito que meu coração precisava gritar, um suspiro que meus olhos gostariam de dar; mas me calo. Não pela soberba ou bobeira, pois isso deixei para trás quando comecei a me conhecer.
Calo-me pelo medo de ter medo de o futuro fugir ao meu desejo; calo-me pois o silêncio que pronuncio impede que sons tão ríspidos me derrubem.
Acho que quando alma sem corpo escolhi nascer carioca para falar o português brasileiro do tipo carioquês. Ora, que outra língua seria mais completa, mais bela, mais cheia de figuras que essa? Tenho tantas palavras e combinações para usar que mal preciso tomar fôlego a cada digitada.
Mas acho que da próxima vez - torço para que haja pois ainda quero fazer muito - venho com uma língua diferente.
Não imaginava que eu pudesse despencar tanto e por tanto tempo com poucas palavras de português. Essa língua era para "ser como um canto de passarinho".
Quem diria que após ler tanto de tantos livros - médicos ou não -, falar com tantas pessoas, passar por tantas experiências, criar tantas idéias, achar tantas respostas... quem diria que o português me faltaria para dizer:
Saudades de você, não imagina a falta que o seu rosto me faz. Espero que esteja feliz. Vou bem. Espero por você. Seja como for, espero por você.