Tuesday, August 14, 2012

Cotidianos


Sentada nos degraus de sua casa, olhava para o chão de paralelepípedos que encostava nos pés descalços das crianças que se escondiam e contavam. O chão, que engraçado, estava tão perto e, ainda assim, tocava o horizonte. Afinal, onde daria se ela fosse reto naquela direção? Após desviar de inúmeras paredes, haveria alguma hora uma porta na qual ela poderia bater?
Mas no meio disso, os pequenos estalidos de muitos pés se juntaram, como se para que ela despertasse e percebesse que outros pés maiores já se afilavam perto do poste. E, sem olhar para seu pulso, que só mostraria cores, pôs-se de pé e somou-se com aqueles outros.
O ônibus não tardou em se atrasar e, como de costume, provocou ligações e desculpas, ouvidas pela vontade que ela tinha de imaginar a vida das outras pessoas. A culpa era das rugas. As rugas falavam muito. Cada uma tinha tido seu momento de brilho, de ir e voltar e ir voltar. Ora, as rugas mereciam ser ouvidas. Ela, coitada, ansiava por rugas, mas não tinha pressa para que surgissem.
Chegara ainda adiantada para sessão de cinema e, como se esperasse um namorado, a menina, sozinha, se sentou e esperou que as portas se abrissem. Enquanto pulava de rosto em rosto, foi pega de surpresa por um rosto que a visão reconhecia menos que o tato. Ele, de longe, também a viu e, com sua alma encadarçada, pediu licença à sua mão e se aproximou do banco.
Ela se levantou e o cumprimentou e o abraçou. Diferente. Eles não falaram muito, somente o suficiente para que os corações balançassem. Oi. Tudo bem... Cresceram como um só e agora eram dois. Despediram-se e cada um foi para sua sessão.
Ela sentou finalmente em sua G12 e não pode deixar de pensar em como o mundo era engraçado. Não conseguimos entender realmente nada dos nossos caminhos. Entre músicas e danças, ela respirava fundo e tentava valsar com seus pensamentos. Mas precisava jogar uma água no rosto.
Enquanto levantava o rosto molhado, percebeu uma pequenina ruga no canto de seu olho esquerdo. Riu. Riu e secou o rosto. Encarou-se de novo, admirada com aquilo. O balanço.
Antecipou sua volta para casa e, ao descer do ônibus, traçou a reta e desviou-se das paredes. Logo, chegou num botequim, que já era seu de costume, e acenou para os conhecidos.
Pegou o caminho de volta. Sentiu o travesseiro em seu rosto e sorriu mais uma vez.

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